Eu sou uma folha. Nasci em um árvore japonesa.
Nossa ancestralidade cultiva valores e tradições milenares. Entretanto, eu me destaquei por ser diferente.
Geralmente, as folhas desapegam das árvores quando estão maduras ao movimento do vento com o seu bailar.
Ao chegar ao chão, vão se embora partidas, apodrecendo no solo, transformando-se em adubo para outras árvores –irmãs.
As folhas não reagem à queda, ficam secas no chão ao sabor dos ventos.
Comigo aconteceu diferente.
Eu não apodreci, não fiquei no mesmo solo, não virei matéria prima para outras espécies da flora.
Sempre fui muito observadora.
Quando ainda estava colada na dualidade do meu tronco raiz, questionava como e o porquê as coisas aconteciam do jeito que aconteciam.
Percebia que este tronco, em determinado espaço subdividia- se em dois: o masculino e o feminino. Deste encontro surgia , além de mim mais duas ramificações, mas eu era a primeira.
E por ser a primeira, talvez me rebelasse mais em relação a dogmas e regras materiais.
Solta e livre, vivo direcionada pelo vento. Vou aonde ele me leva, com coragem e determinação, vivendo um dai de cada vez.
Por vezes, cheguei a sentir que iria desfalecer. Uma hora era um sol escaldante, outra hora era o inverno gélido.
Mas eu sempre dava o meu jeito de viver o presente e me esquivar das intempéries climáticas.
Treinei tanto a fazer isso, que já virou rotina.
A minha rotina é não ter rotina.
Busco sempre me adequar onde estou, aproveitando para conhecer outras espécies não só da flora como também da fauna e dos humanos.
Dias destes, conheci uma folha de lótus.
Não uma flor de lótus. Essa já é linda por natureza e chama a atenção de todos por sua beleza estonteante que emerge da lama.
Mas a sua folha estava ressentida por não ter significância e me dizia da sua importância ao sustentar a bela flor que significa nascimento e renascimento ao abrir e fechar as suas pétalas.
Ouvi com atenção o seu relato de dor e ai me dei conta de que eu já não me prendo mais a normas e regras balizadas pela moeda, pelos bens mundanos e efêmeros.
Será que me tornei uma andarilha da Luz?
Não. Creio que ainda não.
Mas os meus movimentos continuam em direção ao simples, ao belo e ao essencial.
Ainda não me basto. Tenho necessidade de alguns elementos da natureza, como o vento, as águas, nas mais variadas formas: tempestades, chuva, rios, mar, cachoeiras..
E assim, continuo de país a país, perpassando por continentes, driblando a minha fragilidade que por vezes, vem revestida do medo de enfrentar a mim mesma numa polaridade entre ser séria ou louca.
E que a minha loucura seja abençoada, pois ela sempre será revestida de Amor.
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